Maria Salete Fábio Aranha
UNESP-Marília
O modelo de atenção adotado passou a se constituir de três etapas: a primeira, de avaliação, onde uma equipe de profissionais identifica o que, em sua opinião, necessita ser modificado no sujeito ou em sua vida, de forma a torná-lo o mais “normal” possível. A fase seguinte, conseqüência desta e a ela conseqüente, chamada de intervenção (ensino, treinamento, capacitação, etc..), onde profissionais passam a oferecer atendimento formal e sistematizado ao sujeito em questão, norteados pelos resultados e decisões tomados na fase anterior. À medida que os objetivos vão sendo alcançados e a equipe considera que a pessoa se encontra pronta para a vida independente na comunidade, efetiva-se a última fase, constituída do encaminhamento ou re-encaminhamento desta para a vida na comunidade.
Constata-se, assim, que embora se tenha passado a assumir a importância do envolvimento maior e mais próximo da comunidade no trato da integração de seus membros com deficiência, o objeto principal da mudança centrava-se, ainda, essencialmente, no próprio sujeito.
O paradigma da Institucionalização se manteve sem contestação por vários séculos. O paradigma de serviços, entretanto, iniciado por volta da década de 60, logo começou a enfrentar críticas, desta vez provenientes da academia científica e das próprias pessoas com deficiência, organizadas em associações e outros órgãos de representação.
Parte delas provenientes das dificuldades encontradas no processo de busca de “normalização” da pessoa com deficiência.Conquanto muitos alcançavam os objetivos de vida independente e produtiva, quando submetidos à prestação de serviços formalmente organizada na comunidade, muitos ainda mostraram que dificilmente se pode esperar que alcance uma aparência e um funcionamento semelhante aos não deficientes, devido às próprias características do tipo de deficiência e seu grau de comprometimento.
Outra crítica importante referia-se à expectativa de que a pessoa com deficiência se assemelhasse ao não deficiente, como se fosse possível ao homem o “ser igual” e como se ser diferente fosse razão para decretar a menor valia enquanto ser humano e ser social.
Inúmeros autores foram em busca de compreensão sobre as razões que determinam a desqualificação da pessoa com deficiência.
Dentre estas, tem-se a reflexão etológica, apontando que muitas espécies excluem aqueles que representam menor valor de sobrevivência para a espécie (lêmures, elefantes).
Tem-se ainda leitura da deficiência como uma condição social que embora aparentemente iniciada na consideração da diferença, é construída socialmente, a partir da reação de desvalorização, por parte da audiência social (Omote, 1995) Aranha (1995) propõe ser a deficiência uma condição social caracterizada pela limitação ou impedimento da participação da pessoa diferente nas diferentes instâncias do debate de idéias e de tomada de decisões na sociedade. A autora atribui o processo de desqualificação ao fato da pessoa com deficiência ser considerada, no sistema capitalista, um peso à sociedade, quando não produz e não contribui com o aumento do capital.
Em função de tal debate, a idéia da normalização começou a perder força. Ampliou-se a discussão sobre o fato da pessoa com deficiência ser um cidadão como qualquer outro, detentor dos mesmos direitos de determinação e usufruto das oportunidades disponíveis na sociedade, independente do tipo de deficiência e de seu grau de comprometimento.
De modo geral, passou-se a discutir que as pessoas com deficiência necessitam, sim, de serviços de avaliação e de capacitação, oferecidos no contexto de suas comunidades.
Mas também se começou a defender que estas não são as únicas providências necessárias, caso a sociedade deseje manter com essa parcela de seus constituintes uma relação de respeito, de honestidade e de justiça. Cabe também à sociedade se reorganizar de forma a garantir o acesso de todos os cidadãos (inclusive os que têm uma deficiência) a tudo o que a constitui e caracteriza, independente de quão próximos estejam do nível de normalidade.
Assim, cabe à sociedade oferecer os serviços que os cidadãos com deficiência necessitarem (nas áreas física, psicológica, educacional, social, profissional). Mas lhe cabe, também, garantir-lhes o acesso a tudo de que dispõe, independente do tipo de deficiência e grau de comprometimento apresentado pelo cidadão.
Foi fundamentado nestas idéias que surgiu o terceiro paradigma, denominado Paradigma de Suporte. Este tem se caracterizado pelo pressuposto de que a pessoa com deficiência tem direito à convivência não segregada e ao acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos. Para tanto, fez-se necessário identificar o que poderia garantir tais prerrogativas. Foi nesta busca que se buscou a disponibilização de suportes, instrumentos que viabilizam a garantia de que a pessoa com deficiência possa acessar todo e qualquer recurso da comunidade. Os suportes podem ser de diferentes tipos (suporte social, econômico, físico, instrumental) e têm como função favorecer o que se passou a denominar inclusão social, processo de ajuste mútuo, onde cabe à pessoa com deficiência manifestar-se com relação a seus desejos e necessidades e à sociedade, a implementação dos ajustes e providências necessárias que a ela possibilitem o acesso e a convivência no espaço comum, não segregado.
A inclusão parte do mesmo pressuposto da integração, que é o direito da pessoa com deficiência ter igualdade de acesso ao espaço comum da vida em sociedade. Diferem, entretanto, no sentido de que o paradigma de serviços, onde se contextualiza a idéia da integração, pressupõe o investimento principal na promoção de mudanças do indivíduo, na direção de sua normalização.
Obviamente que no paradigma de serviços também se atua junto a diferentes instâncias da sociedade (família, escola, comunidade).
Entretanto, isto se dá na maioria das vezes em complementação ao processo de intervenção no sujeito. A ação de intervenção junto à comunidade tem mais a conotação de construir a aceitação e a participação externa como auxiliares de um processo de busca de normalização do sujeito. Já o paradigma de suportes, onde se contextualiza a idéia da inclusão, prevê intervenções decisivas e incisivas, em ambos os lados da equação: no processo de desenvolvimento do sujeito e no processo de reajuste da realidade social. Conquanto, então, preveja o trabalho direto com o sujeito, adota como objetivo primordial e de curto prazo, a intervenção junto às diferentes instâncias que contextualizam a vida desse sujeito na comunidade, no sentido de nelas promover os ajustes (físicos, materiais, humanos, sociais, legais, etc..) que se mostrem necessários para que a pessoa com deficiência possa imediatamente adquirir condições de acesso ao espaço comum da vida na sociedade.
Embora se possa encontrar muitos equívocos devidos à insuficiente compreensão do conceito, contextualizado em seu processo histórico de construção, a grande diferença de significação entre os termos integração e inclusão reside no fato de que enquanto que no primeiro se procura investir no “aprontamento” do sujeito para a vida na comunidade, no outro, além de se investir no processo de desenvolvimento do indivíduo, busca-se a criação imediata de condições que garantam o acesso e a participação da pessoa na vida comunitária, através da provisão de suportes físicos, psicológicos, sociais e instrumentais.
A inclusão social, portanto, não é processo que diga respeito somente à pessoa com deficiência, mas sim a todos os cidadãos. Não haverá inclusão da pessoa com deficiência enquanto a sociedade não for inclusiva, ou seja, realmente democrática, onde todos possam igualmente se manifestar nas diferentes instâncias de debate e de tomada de decisões da sociedade, tendo disponível o suporte que for necessário para viabilizar essa participação.
Assim, que as pessoas com deficiência freqüentem os serviços que necessitem para seu melhor tratamento e desenvolvimento. Mas que a sociedade também se reorganize de forma a garantir o acesso imediato da pessoa, através da provisão das adaptações que se mostrem necessárias.
Não adianta prover igualdade de oportunidades, se a sociedade não garantir o acesso da pessoa com deficiência a essas oportunidades. Muitos são os suportes necessários e possíveis de imediato. Outros, demandam maior planejamento a médio e longo prazos. Todos, entretanto, devem ser disponibilizados, caso se pretenda alcançar uma sociedade justa e democrática.
Não há modelos prontos, nem receitas em manuais. A sociedade brasileira ainda precisa tornar sua prática consistente com seu discurso legal. Há que buscar soluções para a convivência na diversidade que a caracteriza, enriquece, dá sentido e significado.
Há que efetivamente favorecer a convivência e a familiaridade com as pessoas com deficiência, derrubando as barreiras físicas, sociais, psicológicas e instrumentais que as impede de circular no espaço comum.
O Brasil mantém ainda, no panorama de suas relações com a parcela da população representada pelas pessoas com deficiência, resquícios do paradigma da institucionalização total e uma maior concentração do paradigma de serviços. Em qualquer área da atenção pública (educação, saúde, esporte, turismo, lazer, cultura) os programas, projetos e atividades são planejados para pessoas não deficientes. Quando abertos para o deficiente são, em geral, desnecessariamente segregados e/ou segregatórios, deixando para a pessoa com deficiência ou sua família quase que a exclusividade da responsabilidade sobre o alcance do acesso.
Embora encontre-se na literatura brasileira divergência entre os autores sobre as concepções de integração e de inclusão, constata-se, a partir da revisão aqui feita, que o país continua centrando na pessoa com deficiência os motivos e razões para sua segregação e exclusão. Busca-se aqui, sim, a integração, através da oferta de serviços, na comunidade, que objetivam “melhorar” o nível da pessoa com deficiência. Muito distante se está, entretanto, da implementação das adaptações, disponibilização dos suportes e planejamento de ações que garantam o acesso imediato de todas as pessoas aos recursos e instâncias da vida em comunidade, tenham elas deficiência ou não, no nível e grau que for.
A inclusão social da criança especial no Brasil, portanto, é um projeto a ser construído por todos: família, diferentes setores da vida pública e população leiga. Necessita planejamento, experimentação, de forma a se identificar o que precisa ser feito em cada comunidade, para garantir o acesso das pessoas com deficiência do local e de outras comunidades aos recursos e serviços nela disponíveis. Não se instala por decreto, nem de um dia para o outro. Mas há que se envolver efetiva e coletivamente, caso se pretenda um país mais humano, justo e compromissado com seu próprio futuro e bem-estar.
A democratização da sociedade brasileira passa pela construção de efetivo respeito a essa parcela da população, que a duras custas procura conquistar um espaço ao qual, por lei, tem direito.
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